quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Jesus e eu

Tenho de confessar: o que me atraía nele era o facto de se parecer com Jesus. Não o Jesus moral, da catequese e dos domingos, que ele era um safado, graças a Deus. Parecia-se sim com o Jesus visual, aquele de barba e cabelos longos, que costuma aparecer nas ilustrações das revistas das Testemunhas de Jeová. Principalmente depois de sair do banho e se pentear. Com aquele ar de bom menino com que às vezes se punha, parecia mesmo acabado de baptizar. Era divino.

Conheci-o numa festa do Avante onde me apareceu assim como que Jesus-incógnito-na-Terra, a tentar passar despercebido entre um grupo de hippies a fumar ganzas. Mas a barba e o cabelo eram inconfundíveis. As sandálias também.

Meti conversa naquela de, olha Jesus, deixa ver se quer foder. Queria. E nem foi mau.

Ele era talvez magro demais para o meu gosto, e tipos circuncisados não são bem a minha onda, mas enfim, faz parte do conjunto. Jesus é Jesus, e ninguém é perfeito, de que é que eu estava à espera?

Depois do ofício ainda falámos. Era menos burro do que parecia. O efeito das ganzas passava-lhe depressa e a conversa quase raiou o inteligente.

Voltámos a encontrar-nos e voltou a correr bem. Foi então que começámos a sair e acabei por o apresentar a todos os meus amigos.

É giro levar Jesus a festas. Fazem-se entradas sensacionais. É quase mais eficaz que levar um modelo ou um actor famoso das novelas. Os jantares ganham um ar de última ceia. E no fundo, no fundo, não há quem não nutra uma certa simpatia por Jesus. Eu até o teria levado a conhecer a minha mãe, não fosse ela já estar a confraternizar com o verdadeiro Jesus, os anjos, os santos, os apóstolos e essa fauna toda que saltita nas nuvens do reino celeste. Tenho a certeza que com um tipo daqueles ela não se sentiria envergonhada por ter um filho uranista e, se calhar, até daria uns chás lá em casa, convidando as amigas para verem o belo partido que ele arranjara…

É que era mesmo fascinante. Às vezes punha-me a olhar para ele enquanto dormia, só para que, quando abrisse os olhos, eu pudesse ter aquela sensação estonteantemente 3D dos quadros piroso-holográficos de Jesus que se vendem nas feiras. Sempre delirei com aquele piscar de olhos enigmático que nos leva a abanar a cabeça como tontinhos.
…e era o que ele me dizia, quando abria os olhos. És mesmo tontinho. E eu dizia, és mesmo bonito, para disfarçar.

No geral, era um tipo porreiro e, se calhar, até teria sido capaz de o amar mas, ao fim de algum tempo, zangámo-nos por qualquer coisa e eu aproveitei para acabar com ele. É que eu não via grande futuro numa relação com alguém que, ao fim do dia, precisava sempre de lavar os pés. E nunca o fazia.

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