sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Feliz - 5

Nessa mesma Sexta-feira, na cama, depois de Paulo finalmente se ter vindo, Carlos, atrás da orelha dele, pergunta: Vamos ao cinema no Domingo? Só nós os 2?
Temos de ir?
Eu quero ir.
Tem mesmo de ser?
Não tem mesmo de ser, mas eu é que preciso de ver outro filme que não seja ”O Rei Leão”… e além disso nós já não vamos ver um filme como deve ser há séculos.
Que filme é que queres ir ver?
Não sei como é que se chama. É um filme gay chinês que está no King. O Vitor e o João dizem que é bom.
Paulo desenlaça-se dos braços de Carlos, pega na toalha ao lado da cama e limpa-se.
Tenho uma reunião com um cliente na Segunda de manhã… mas se queres mesmo ir, pode ser….
Então vamos.
Carlos acaba a conversa por ali porque sabe que é a melhor maneira de conseguir o que quer. Se regatear vai ser ele a ceder. Levanta os lençóis e deixa Paulo voltar para a cama e para os seus braços. Ficam abraçados em silêncio durante algum tempo. Respiram o cheiro um do outro. Quase adormecem. Voltam a acordar quando os membros reclamam do peso e da tensão. Separam-se. Ajeitam--se na cama. Carlos beija as costas de Paulo. Paulo diz: Boa noite, pudinzinho. Carlos diz: Boa noite, coisa fofa.
Dormem.
Chegam tarde ao cinema. Carlos está ligeiramente irritado. Atrasaram-se porque Paulo se lembrou de convidar o Marcos e a Celeste para irem com eles ao cinema.
Marcos trabalha como contabilista para a firma de Paulo. Carlos e Paulo acham-no simpático e têm pena dele por ser casado com Celeste.
Celeste é cabeleireira e adoooooora o Paulinho e o Carlinhos, como lhes chama. Carlos e Paulo sabem que ela gosta de ser dar com eles porque é ”moderno” ter amigos “assim”. Carlos já desistiu há muito tempo de se esforçar para ter uma conversa com ela.
Marcos por seu lado é ”uma pequena jóia de sensibilidade perdida num antro de mesquinha burguesia capitalista suburbana”. Foi assim que Paulo o definiu logo depois de o contratar há 1 ano atrás. Paulo está além disso muito grato a Marcos por ter salvo as contas da firma e ajudar Carlos com os impostos.
Carlos insiste que gratidão não é desculpa para aturar ”a vaca da Celeste que só se dá com a gente porque sabe o nosso rendimento anual”. Outro motivo para Carlos se sentir irritado é ”a vaca da Celeste” levar 2 séculos a pentear-se, ou melhor, a pôr o cabelo em pé, o que os fez chegar tarde ao cinema e já só arranjar lugares laterais numa fila da frente. Paulo responde que podia ser pior, que a Celeste podia ter ficado à frente deles. Carlos não consegue deixar de rir.
Paulo poderia fazer ainda mais alguns comentários divertidos sobre a Celeste, mas para isso teria de contar a Carlos a relação que mantém com Marcos, ou mais exactamente as fodas que dão na mesa do escritório quando os outros se vão embora e eles ainda ficam a verificar as contas da firma.
Carlos e Paulo descem da bilheteira para a livraria do cinema onde Marcos e Celeste os esperam. Enquanto a atravessam para chegar à sala de cinema ainda têm tempo para olhar para os livros. Carlos olha a secção de poesia. Paulo e Marcos discutem os videos, quais os filmes que viram e os que queriam ver e não viram. Celeste pergunta na caixa se não têm uma secção de revistas.
O filme é chinês e artístico. 1/2 hora depois de ter começado já Celeste desistiu de tentar perceber o que se está a passar. Mas conclui que vale a pena estar a aturar beijoquices entre 2 gajos para depois poder comentar o assunto lá no salão, afinal ela é a mais moderna das cabeleireiras, a que vai ver filmes estrangeiros a Lisboa e que tem amigos gay.
Paulo, por seu lado, entrega-se ao filme de alma e coração. Emociona-se com a história e aprecia o excelente trabalho de fotografia e montagem. Elege também 1 dos rapazitos como seu favorito e entretém-se a passear-lhe os olhos pelo corpo quando ele está em cena.
Marcos está indeciso sobre se gosta do filme ou não, mas algumas cenas dão-lhe imensa tesão. Pensa nas quecas que dá com Paulo, que são o melhor sexo que alguma vez teve. Sente-se um pouco incomodado pelas cenas comoventes e pensa em apertar a mão de Celeste mas isso não é um acto muito normal entre eles e ia ser suspeito, por isso fica quieto e finge que não se passa nada. Sente-se um bocadinho chateado por Paulo os ter convidado para ver um filme tão paneleiramente lamechas.
Carlos não se consegue concentrar. Ainda está zangado por terem lugares tão maus e além disso, ao seu lado, está uma rapariga que mastiga uma pastilha elástica de um modo extremamente irritante. Depois dá-lhe vontade de mijar. Tenta aguentar o melhor que pode, mas passado algum tempo conclui que se não sair imediatamente vai acontecer um acidente desagradável. Sussurra a Paulo o que tem de fazer e tenta sair o mais discretamente possível da sala, o que significa, de um modo ou outro, perturbar toda a gente.
Sai para os corredores e escadas vazias do cinema e desce até à livraria, ao lado da qual ficam as casas de banho. Aí estão algumas pessoas, certamente a fazer tempo para a última sessão do cinema. Uma delas levanta os olhos de um livro quando ele passa. É o tipo da paragem do autocarro. O coração pula-lhe no peito. Desvia os olhos imediatamente e apressa-se para a casa de banho. Em frente ao urinol não tem tempo para nada, nem sequer para pensar. Faz o que tem a fazer. Só quando puxa o fecho das calças para cima é que pensa no tipo e no que ele estará a fazer ali.
Depois, no momento em que abre a torneira para lavar as mãos, a porta da casa de banho abre-se e o tipo entra. Fica ali a olhar para ele. Os olhares cruzam-se no espelho.
Carlos entra em pânico e, o mais rapidamente que pode, fecha a torneira e vira-se para sair sem sequer pensar em secar as mãos. Mas o outro bloqueia-lhe a passagem e ele vê-se forçado levantar o olhar para ele. Mais depressa do que lhe permitiria qualquer reacção, o outro agarra-o pelos ombros e beija-o na boca.
O súbito fluxo de adrenalina que lhe sobe pelo corpo deixa-o paralisado. Sente aqueles lábios quentes contra os seus e uma vertigem no cérebro.
O outro afasta-se mas mantém as mãos nos ombros de Carlos. Olham-se. Não dizem nada. Depois o olhar do outro diz que vem aí outro beijo. E Carlos deixa que o beijo aconteça. E o beijo acontece, agora com língua, saliva e mais calor. Barbas roçando--se mal feitas, raspando na pele de um beijo que se alarga e se estende de repente a um abraço. Quando os ventres se tocam Carlos nota que ambos estão feitos. Repara também num cheiro doce de perfume (Kenzo?), na textura de flanela da camisa dele, na firmeza do braço que agora agarra. Sente-se arrastado para uma das retretes, a porta fecha-se ao seu lado e estão os 2 ali metidos, entesados. A olhar um para o outro. A respirar frente a frente.
Depois uma das bocas baixa-se até uma barguilha que se abre e Carlos só então pensa: porra, o que é isto?!

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