sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Feliz - 3

A fruta preferida de Carlitos é a maçã. O Pantufa tem de aturar frequentemente sessões de tiro ao alvo com uma maçã na cabeça nas quais Guilherme Teles (encarnado alternativamente por Carlos ou Carlitos) demonstra a sua pontaria aos assustados hermafroditas que depois o hão-de eleger como Rei, poupando-lhe a vida e tornando-se seus leais súbditos e guerreiros.
Na manhã de uma Sexta-feira algures em Maio, Paulo lembra Carlos que ele tem de comprar maçãs. Carlos faz a lista das compras e queixa-se de que não vai conseguir carregar tudo na Vespa com que costuma andar na cidade. Paulo retoma a velha conversa de que deviam comprar um segundo carro. Carlos retoma a velha desculpa de que nunca se consegue arranjar lugar para estacionar em Lisboa e que além disso a mota lhe permite andar mais depressa pelo meio dos engarrafamentos. Já tiveram esta conversa muitas vezes e nenhum insiste nos argumentos. Acertam horários para o dia.
Paulo vai para o escritório e depois vai visitar 3 clientes: um restaurante em Cascais, uma loja num centro comercial e um tipo rico que quer decorar o apartamento novo do filho. Carlos vai ficar em casa de manhã a trabalhar num storyboard que está a fazer para uma agência de publicidade e que vai entregar durante a tarde. Depois vai às compras ao supermercado e fazer o jantar para os 4 porque Cláudia e Carlitos chegam às 7.
Beijam-se, dizem que se amam. Paulo sai, Carlos fecha a porta.
Carlos trabalha a manhã toda, come 1 iogurte a meio da manhã e 1 pacote inteiro de bolachas empurrado com sumo de laranja ao princípio da tarde enquanto continua a trabalhar. Às 3, sai de casa, atravessa a cidade de mota e entrega o trabalho na agência. Telefona a Paulo que está no centro comercial. Trocam comentários sobre um gajo giro da agência que Paulo conheceu uma vez numa festa a que foram os 2. Brincam. Dizem tolices. Fazem vozes infantis. Tratam-se por Coisinha Fofa e Pudinzinho. Dizem que se amam. Despedem-se.
Carlos volta a montar-se na mota, atravessa a cidade e pára frente a um supermercado. Faz as compras. Regressa à mota carregado com sacos. Repara que encostado a uma paragem de autocarro, ao lado da mota, está um gajo muito giro. Tira uma mochila debaixo do assento da vespa e começa a pôr as compras lá dentro. As maçãs ficam por cima e uma delas cai e rola até aos pés do gajo giro. O gajo giro apanha a maçã do chão e olha para Carlos. Carlos repara que ele tem olhos claros, cabelos negros e um ar perigoso e estupidificantemente sexy de cigano.
O gajo giro olha para ele. Fixa o olhar nele. Carlos não sabe o que fazer. Sente embaraço, medo e atração.
O gajo giro continua a olhar para ele. Sorri. Leva a maçã aos lábios e morde-a enquanto continua a olhar impudicamente para ele. Carlos não diz nada. Sente-se como se estivesse dentro de um anúncio de desodorizante masculino. Entra em pânico. Acaba de fechar a mochila, põe o capacete, monta-se na mota e acelera em direcção a casa.
Em casa arruma a mochila e as compras, dobra os sacos plásticos, lava a loiça que sujou durante o dia, varre a cozinha, aspira a sala e os quartos. Vai para a casa de banho onde espreme borbulhas em frente ao espelho. Depois baixa as calças e bate uma enquanto pensa no tipo da paragem do autocarro.

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