terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Dois Amantes

Entrou-me a meio da vida, suavemente. Fausto.

De boas famílias, educado. Quando se sentava à mesa de um restaurante, saiam-lhe os pedidos com voz funda e articulada, como se tivesse sido já tinta pela idade. Tinha qualquer coisa de solene. O mundo pesava-lhe nos ombros por suportar, com pudor calejado, olhares curiosos. Na verdade, só há pouco deixara a adolescência mas vinha despido de pêlos, o corpo marcado a seda pela crueldade do cobalto. Não lhe chamaria adulto, simplesmente portava-se com a calma de quem toma a morte por certa e não se apressa.

Escorregou como leite para os meus lençóis. No branco era branco. Nádegas lisas e alvas como ovos, escroto limpo e um órgão quase triste mas que se erguia com o mesmo porte majestoso que se via nele, Fausto, quando a gente na rua lhe marcava a calvice absoluta, a elegância simples de ser só jovem pele.

Por mais que o quisesse manter protegido no meu abraço, foi-se perdendo de mim em jogos de família, cenas de hospital.
O acaso seguinte trouxe o seu oposto. Carlos era médico e, quando se desembrulhava de roupas, era oferta de selva onde Fausto fora deserto. O pénis erguia-se-lhe com a doce curva de um coqueiro saindo do mato, nascente secreta do veludo que lhe cobria exaustivamente o corpo e só lhe dava descanso algures a meio das costas, tornando raras as plantas dos pés, as palmas das mãos. Mergulhado na água, o seu corpo era banco de coral, os cabelos seguindo o sabor da maré. Faziam desenhos tribais depois, quando saía para o sol, numa crescente rebeldia contra o sal, secos ao vento.

Onde Fausto deslizava, Carlos raspava, a barba agreste marcando-me a pele, ferindo-me o beijo. Corpo mistério intenso, viciante. Foi uma separação difícil, ruidosa, doída. Veludo que se tornara velcro que se tornara lixa.

Dois amantes. E eu, quando olho para mim, vejo que continuo a ter as cicatrizes da selva, as miragens e alucinações do deserto, impressas no ser, cantando como sereias quando me apanham sozinho numa noite qualquer, ao acaso, nesta cidade.

2 comentários:

Anónimo disse...

apesar de tudo ... apesar do que aconteceu .. foi tudo real ?

Anónimo disse...

Lindo.